Resumo: O objetivo do artigo é analisar o instituto do Livramento Condicional após a aprovação da Lei 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime”. Trata-se de uma pesquisa descritiva, cuja metodologia empregada consiste em pesquisa bibliográfica, principalmente na área jurídica de Direito Penal, utilizando-se também de análise jurisprudencial. Ao final, conclui-se que a principal alteração efetivada pela Lei 13.964/2019 encontra-se no art. 83, III do CP, sobretudo na alínea b), que dispõe que “o não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses pelo condenado é requisito para a concessão de Livramento condicional”. Essa mudança legislativa poderá acarretar, até mesmo, em alteração de entendimento jurisprudencial no âmbito do STJ, pois que aumentaram-se os requisitos para a concessão do Livramento (ou seja a lei é mais gravosa), gerando dúvidas na interpretação da Súmula 441, que dispõe que “o cometimento de falta grave, por falta de previsão legal, não interrompe o prazo para aquisição do benefício do livramento condicional”.
Palavras-Chave: Livramento Condicional. Pacote Anticrime.
Abstract: The objective of the article is to analyze the institute of Conditional Livramento after the approval of Law 13.964 / 2019, known as “Anti-crime Package”. It is a descriptive research, whose methodology used consists of bibliographic research, mainly in the legal area of Criminal Law, also using jurisprudential analysis. At the end, it is concluded that the main change effected by Law 13,964 / 2019 is found in art. 83, III of the CP, especially in paragraph b), which provides that “the non-committing of a serious offense in the last 12 (twelve) months by the convict is a requirement for the granting of conditional release”. This legislative change may even lead to a change in the jurisprudential understanding in the scope of the STJ, because the requirements for the concession of Livramento were increased (that is, the law is more severe), creating doubts in the interpretation of Precedent 441, which provides that “committing a serious misconduct, due to lack of legal provision, does not interrupt the term for acquiring the benefit of the conditional release”.
Keywords: Conditional Release. Anti-crime Law.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende analisar o instituto jurídico do “Livramento Condicional”, mais precisamente após o advento da Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que realizou mudanças legislativas no art. 83 do Código Penal, e acabou sendo uma Novatio legis in pejus (lei penal mais gravosa), uma vez que aumenta os requisitos para a concessão do Livramento Condicional. O estudo também analisa a jurisprudência dos Tribunais Superiores a respeito da matéria.
O estudo se baseia em pesquisa bibliográfica, utilizando livros e jurisprudência como fontes. Tem-se como problematização definir quais foram as mudanças efetivadas pela nova lei. Como hipótese a ser testada, tem-se que o Pacote Anticrime para o instituto do Livramento Condicional, que é Direito Subjetivo do réu, é uma Lei Penal mais gravosa, pois aumenta os requisitos para a concessão do benefício, dificultando a concessão aos condenados. Por essa razão, em matéria de Livramento Condicional, as mudanças da Lei 13.964/2019 não podem retroagir.
Inicialmente, no primeiro tópico, analisa-se o surgimento e o conceito do instituto do Livramento Condicional. Temos que Livramento Condicional é a última fase da execução da pena privativa de liberdade, igual ou superior a 2 (dois) anos, cuja função é a readaptação ou reinserção social do apenado. É o que marca uma evolução daquele que está preso, de uma condição de reclusão, para um regime de mais liberdade.
Desenvolvendo o tema, o segundo tópico trata dos requisitos para a concessão do Livramento Condicional e das mudanças exercidas pelo Pacote Anticrime. Compara-se o art. 83 do CP antes e depois do advento da lei e analisa-se a jurisprudência correlata.
Por fim, no terceiro tópico, há a análise doutrinária da extinção da pena pelo Livramento Condicional, natureza jurídica da sentença e os seus efeitos na condenação do réu.
1. CONCEITO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL
A origem histórica do instituto objeto deste estudo remonta à França no ano de 1846, criado pelo Magistrado Benneville, com o nome de “liberação preparatória”, espalhando-se pela Europa nos anos subsequentes (NUCCI, 2020). No Brasil, o Livramento Condicional foi mencionado pela primeira vez no Código Penal Republicano de 1890 (arts. 50 a 52), regulamentado pelos Decretos 4.577/1922 e 16.665/1924 (MASSON, 2019) encontrando-se positivado atualmente nos artigos 83 a 90 do Código Penal.
Segundo ensina Busato (2015), Livramento Condicional é a última fase da execução da pena privativa de liberdade, igual ou superior a 2 (dois) anos, cuja característica principal é a desinstitucionalização, que significa uma readaptação ou reinserção social. O Livramento Condicional marca a passagem do condenado de uma condição de reclusão para um regime de mais liberdade. Findo esse regime, o condenado alcançará a liberdade plena. De forma parecida, Nucci (2020, p. 733) conceitua Livramento da seguinte maneira:
Trata-se de um instituto de política criminal destinado a permitir a redução do tempo de prisão com a concessão antecipada e provisória da liberdade ao condenado, quando é cumprida pena privativa de liberdade, mediante o preenchimento de determinados requisitos e a aceitação de certas condições.
Com efeito, Masson (2019) aduz que esta liberdade concedida é antecipada, condicional e precária, desde que cumprida parte da reprimenda imposta e sejam observados os demais requisitos legais. É antecipada pois o condenado retorna ao convívio social antes do integral cumprimento da pena privativa de liberdade. É condicional porque, durante o período restante de pena (período de prova), o egresso submete-se ao atendimento de determinadas condições fixadas na decisão que lhe concede o benefício. E é precária sobretudo porque pode ser revogada se sobrevier uma ou mais condições previstas nos arts. 86 (revogação obrigatória) e 87 (revogação facultativa) do Código Penal (MASSON, 2019).
Além disso, Cunha (2016) sinaliza que o Livramento Condicional decorre do sistema progressivo de cumprimento de pena, mas, para a sua concessão, não é necessário que o condenado passe por todos os regimes prisionais (fechado, semiaberto e aberto):
A lei não exige que os reeducandos somente possam ser beneficiados com o livramento condicional após passarem pelo regime prisional aberto. Portanto, ausente a previsão legal, não há como negar a benesse ao recuperando que se encontre na modalidade semiaberta, com base neste simples motivo (TJMG, Processo 1.0000.08. 486414-9/001, Rel. Des. Judimar Biber, DJ 10/7/2009).
Sendo assim, é direito subjetivo do apenado, desde que preenchidas as formalidades da lei. Por certo, destaca-se a interpretação jurisprudencial do Pretório Excelso, em sintonia com as conceituações já expostas, no sentido de que o livramento condicional constitui não só direito subjetivo, mas também importante mecanismo de inclusão social do apenado, porque o prepara para voltar à comunidade:
A Lei de Execução Penal – LEP é de ser interpretada com os olhos postos em seu art. 1º. Artigo que institui a lógica da prevalência de mecanismos de reinclusão social (e não de exclusão do sujeito apenado) no exame dos direitos e deveres dos sentenciados. Isso para favorecer, sempre que possível, a redução de distância entre a população intramuros penitenciários e a comunidade extramuros. Essa particular forma de parametrar a interpretação da lei (no caso, a LEP) é a que mais se aproxima da CF, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos (incisos II e III do art. 1º). A reintegração social dos apenados é, justamente, pontual densificação de ambos os fundamentos constitucionais. (HC 99.652, Rel. Min. AYRES BRITTO, Primeira Turma, DJE de 4-12-2009).
Convém citar parte da Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, ainda atual para a matéria, que também previu o instituto, visando facilitar a reintegração social, reduzir a degradação da personalidade pelo cárcere e estimular bom comportamento do condenado:
O livramento condicional é restituído à sua verdadeira função. Faz ele parte de um sistema penitenciário (sistema progressivo) que é incompatível com as penas de curta duração. Não se trata de um benefício que se concede por simples espírito de generosidade, mas de uma medida finalística, entrosada, num plano de política criminal. O Decreto 24.351, de 6 de junho de 1934, tornando possível a concessão do livramento condicional aos ‘condenados por uma ou mais penas de mais de um ano’, cedeu a razões de equidade, mas, é força reconhecê-lo, desatendeu à verdadeira finalidade desse instituto. É esta a última etapa de um gradativo processo de reforma do criminoso. Pressupõe um indivíduo que se revelou desajustado à vida em sociedade, de modo que a pena imposta, além do seu caráter aflitivo (ou retributivo), deve ter o fim de corrigir, de readaptar o condenado. Como derradeiro período de execução da pena pelo sistema progressivo, o livramento condicional é a antecipação de liberdade ao sentenciado, a título precário, a fim de que se possa averiguar como ele se vai portar em contato, de novo, com o meio social. Esse período de experiência tem de ser relativamente longo sob pena de resultar ilusório (...).
A maioria da doutrina entende que a natureza jurídica do Livramento condicional é de Direito Público Subjetivo do apenado, uma vez satisfeitos os seus requisitos de concessão (BUSATO, 2015). Assim, Direito Subjetivo, segundo Nader (2012) consiste na “possibilidade de agir e de exigir aquilo que as normas de Direito atribuem a alguém como próprio”. Em termos mais simples, o Direito Subjetivo é a possibilidade de o indivíduo buscar o Direito Objetivo (lei) ao seu favor.
Em sentido contrário, Jesus (2006) não consente com a maioria da doutrina que afirma que a natureza jurídica do Livramento se trata de Direito Subjetivo do apenado. Segundo seu magistério, trata-se tão somente de forma especial de cumprimento de pena, e não uma benesse.
2. REQUISITOS PARA CONCESSÃO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL E AS MUDANÇAS EFETIVADAS PELA LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME)
O doutrinador Santos (2008) classifica o Livramento Condicional em diferentes espécies: 1) o comum ou ordinário, cuja concessão se dá após a execução de metade da pena privativa de liberdade (art. 83, II, CP); 2) o especial, que pode ser concedido após a execução de um terço da pena (art. 83, I, CP); e 3) o extraordinário, que somente pode ser concedido após a execução de dois terços da pena (art. 83, V, CP). Dessa maneira, a concessão do Livramento é subordinada a requisitos gerais, aplicados indistintamente às diferentes espécies, e específicos, dirigidos a espécies de Livramento em particular (BUSATO, 2015).
Os requisitos específicos dizem respeito às distintas modalidades de livramento condicional. O Livramento Condicional especial (art. 83, I CP) tem por requisitos, além dos gerais: a) execução de um terço da pena privativa de liberdade aplicada; b) primariedade em crime doloso; c) bons antecedentes. Já o Livramento Condicional Comum ou Ordinário (art. 83, II CP) exige, além dos requisitos gerais: a) execução de metade da pena privativa de liberdade aplicada; b) reincidência em crime doloso. Por fim, o Livramento Condicional Extraordinário (art. 83, V CP) pode ser concedido quando, além dos requisitos gerais: a) o condenado cumpriu dois terços da pena privativa de liberdade aplicada; b) foi condenado por crime hediondo ou equiparado; c) não ter havido reincidência específica em crime hediondo ou equiparado (BUSATO, 2015).
Aponta Nucci (2020) que houve uma lacuna lamentável no tocante ao réu primário, que possuí maus antecedentes, pois não se inclui expressamente nem no art. 83, inciso I, nem no inciso II, surgindo assim duas posições, na doutrina, para dispor sobre qual seria a correta tipificação do mesmo. Vejamos o que explica Nucci (2020, p. 735):
1.ª) na falta de expressa previsão, deve ser adotada a posição mais favorável ao condenado, ou seja, o primário, com maus antecedentes, pode receber o livramento quando completar 1/3 da pena. São as posições de Miguel Reale Júnior e Alberto Silva Franco; 2.ª) deve-se fazer a adequação por exclusão. Não se encaixando no primeiro dispositivo, que, expressamente, exige os bons antecedentes, somente lhe resta o segundo. Assim, o primário com maus antecedentes deve cumprir metade da pena para pleitear o livramento condicional. É a posição que adotamos, pois o art. 83, I, exige “duplo requisito” e é expresso acerca da impossibilidade de concessão do livramento com 1/3 da pena a quem possua maus antecedentes.
Os requisitos gerais se dividem em objetivos e subjetivos. Assim, o livramento condicional permite que o condenado abrevie sua reinserção no convívio social cumprindo parte da pena em liberdade, desde que presentes os requisitos de ordem subjetiva e objetiva (GRECO, 2020). É necessário que o réu cumpra ambos, conforme aponta a jurisprudência pátria:
Não é possível o deferimento do livramento condicional ao sentenciado sem a análise dos requisitos subjetivos previstos nos incs. III e IV, e parágrafo único, do art. 83 do CP, não bastando o cumprimento dos requisitos objetivos (TJMG, HC 0199686-87.2010.8.13.0000, Rel. Des. Ediwal Jose de Morais, 1ª Câmara Criminal, DJEMG 11/8/2010).
Para a concessão do benefício do livramento condicional, deve o acusado preencher os requisitos de natureza objetiva (lapso temporal) e subjetiva (bom comportamento carcerário), nos termos do art. 112 da
LEP, com Redação dada pela Lei nº 10.792/2003, podendo o Magistrado, excepcionalmente, determinar a realização do exame criminológico, diante das peculiaridades da causa, desde que o faça em decisão concretamente fundamentada (cf. HC 88052/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 28/4/2006) (Precedentes) (STJ, HC 149623/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJe 2/8/2010).
São requisitos gerais objetivos os que se relacionam com a pena imposta e a reparação do dano: a) a aplicação de pena privativa de liberdade igual o superior a 2 (dois) anos (art. 83 CP); b) reparação do dano produzido pelo crime, salvo impossibilidade de fazê-lo (art. 83, IV CP), ou seja, precária situação econômica (BUSATO, 2015).
Também é requisito objetivo o disposto no art. 83, III, b), “não cometimento de falta grave nos últimos doze meses”. Esse requisito foi incluído pela Lei 13.964 / 2019 (Pacote anticrime) e é irretroativo, tendo em vista que reflete em uma limitação ao benefício (CUNHA, 2020). As faltas graves correspondem a condutas contrárias ao bom andamento da execução penal e indicam que o condenado não está disposto a fazer nenhum esforço para a sua própria reintegração social. São situações que mesmo estando sob vigilância, ele se recusa à se submeter às regras (CUNHA, 2020). Nucci (2020, p. 736) exemplifica o que são faltas graves:
São faltas graves: incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; fugir; possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; provocar acidente de trabalho; descumprir, no regime aberto, as condições impostas; não observar os deveres previstos nos incisos II e V do art. 39 da Lei de Execução Penal; tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo, ou seja, obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se e execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas.
Assim, sabe-se que o advento da Lei 13.964/2019 (Pacote anticrime) trouxe o requisito no art. 83, III, b) do “não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses” pelo condenado. Entretanto, o STJ decidia reiteradamente que a falta grave não acarretava a interrupção do prazo para o livramento condicional porque o não cometimento da falta não estava entre os requisitos objetivos elencados no art. 83 do CP. Para o tribunal, impor a interrupção significava criar um requisito não contemplado na lei. Esse entendimento inclusive, é a Súmula 441 do STJ, que dispõe que “o cometimento de falta grave, por falta de previsão legal, não interrompe o prazo para aquisição do benefício do livramento condicional”. Segue abaixo farta jurisprudência nesse mesmo sentido:
A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, por ausência de expressa previsão legal, a prática de falta grave não enseja a alteração do marco para fins de livramento condicional – Súmula 441/STJ. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, em parte, para cassar o v. acórdão vergastado no ponto em que interrompeu o prazo para o benefício do livramento condicional em razão da prática de falta grave. (HC 451.122/SP, j. 21/06/2018)
Ressalta-se que o STJ possuí firme jurisprudência no sentido de que a falta grave, cometida pelo condenado, não interrompe o prazo para concessão de Livramento Condicional:
Sedimentou-se nesta Superior Corte de Justiça, em sede de recurso repetitivo (REsp representativo de controvérsia nº 1.364.192/RS) a orientação de que a prática de falta grave resulta em novo marco interruptivo para concessão de novos benefícios, exceto indulto, comutação e livramento condicional (STJ, HC 369.296/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 30/09/2016).
Anteriormente à entrada em vigor do Pacote Anticrime, a falta grave cometida pelo condenado impedia a concessão do Livramento, mas por ausência de requisito de ordem subjetiva, a falta de “comportamento satisfatório durante a execução da pena”:
O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, apesar de a falta grave não interromper o prazo para fins de livramento condicional (Súmula/STJ nº 441), sua prática impede a concessão do aludido benefício, por evidenciar a ausência do requisito subjetivo exigido durante a execução da pena, nos termos do disposto no art. 83, III, do Código Penal (Precedentes). A teor da jurisprudência consolidada desta Corte, se as instâncias ordinárias concluíram não restar preenchido o requisito subjetivo necessário para a concessão do livramento condicional, tal assertiva não pode ser desconstituída na via estreita do habeas corpus, pois maiores incursões sobre o tema demandariam revolvimento do conjunto fático-comprobatório dos autos (STJ, HC 312.173/RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 28/09/2016).
Com o implemento da Lei 13.964/19 (Pacote anticrime), o requisito do “não cometimento de falta grave nos últimos 12 meses” passa a ser objetivo, pois diz respeito à pena a ser cumprida, e não mais subjetivo, que diz respeito ao agente:
Conquanto não interrompa a contagem do prazo para fins de livramento condicional (enunciado n. 441 da Súmula do STJ), a prática de falta grave impede a concessão do aludido benefício por evidenciar a ausência do requisito subjetivo exigido durante o resgate da pena, nos termos do art. 83, III do Código Penal. O aludido dispositivo legal não prevê período específico para a aferição do bom comportamento carcerário, de modo que, se o Juízo da Vara de Execuções Criminais, fundamentadamente, considerou não satisfeito o requisito subjetivo indicado, cumpre prestigiar tal entendimento (STJ, AgRg. no REsp. 1382007/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJe 11/6/2014).
Constata-se, dessa maneira, que a partir da Lei 13.964/19 (Pacote anticrime), o requisito do “não cometimento de falta grave nos últimos 12 meses” passa a ser considerado objetivo, e não mais subjetivo, tornando obsoleta a maneira como o STJ fundamentava suas decisões:
Consoante entendimento fixado por este Superior Tribunal de Justiça, o cometimento de falta disciplinar de natureza grave pelo Executando acarreta o reinício do cômputo do interstício necessário ao preenchimento do requisito objetivo para a concessão da progressão de regime (EREsp. 1.176.486/SP, Terceira Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 1º/6/2012), iniciando- -se o novo período aquisitivo a partir da data da última infração disciplinar. O cometimento de falta grave, embora interrompa o prazo para a obtenção da progressão de regime, não o faz para fins de concessão de livramento condicional, por constituir requisito objetivo não contemplado no art. 83 do Código Penal. Súmula nº 441 deste Tribunal. Só poderá ser interrompido o prazo para a aquisição do indulto, parcial ou total, se houver expressa previsão a respeito no decreto concessivo da benesse. Precedentes (STJ, HC 241088/RS, Rel.ª Min.ª Laurita Vaz, 5ª T., DJe 26/3/2013).
Com a entrada em vigor da Lei 13.964/19 (Pacote anticrime), além dos requisitos específicos e os requisitos gerais subjetivos já anteriormente exigidos (bom comportamento, aptidão para o trabalho, etc.), o apenado não poderá cometer falta grave nos últimos 12 meses. É provável que o entendimento do STJ seja modificado, porque o “não cometimento de falta grave” agora se tornou um requisito para a concessão de Livramento. Entretanto o artigo ora em comento não prevê expressamente quais são os casos de interrupção. Mesmo que o condenado não possa obter o Livramento se houver cometido falta grave nos doze meses anteriores, o prazo do benefício não se inicia novamente caso haja prática da infração. Ocorrendo a falta grave, nos doze meses subsequentes, o preso não pode ser beneficiado com a liberdade antecipada, mesmo que cumpra seu requisito temporal.
Além disso, no STF, encontramos decisões divergentes. Vejamos, primeiramente, o voto do relator, Ministro Marco Aurélio, no HC n. 100.062, julgado em abril de 2010, que determina que a falta grave interrompe o prazo para concessão do Livramento:
O artigo 83, inciso III, do Código Penal, ao versar o requisito comportamento satisfatório durante a execução da pena, leva a uma de duas conclusões: ou simplesmente a falta grave consubstancia obstáculo ao benefício ou, uma vez ocorrida, gera nova contagem de tempo para alcançá-lo. Esta última solução é a que mais atende não só ao objetivo da norma, mas também aos interesses do réu. (STF, HC 100.062, Primeira Turma, rel. Min. Marco Aurélio, j. 20.04.2010, DJe n. 81, 07.05.2010).
Em sentido contrário, vejamos o voto do relator, Min. Carlos Ayres Britto, no HC 94.163/RS, que determina que o cometimento de falta grave não interrompe o prazo para a concessão do Livramento Condicional:
O requisito temporal do livramento condicional é aferido a partir da quantidade de pena já efetivamente cumprida. Quantidade, essa, que não sofre nenhuma alteração com eventual prática de falta grave, pelo singelo mas robusto fundamento de que a ninguém é dado desconsiderar tempo de pena já cumprida. Pois o fato é que reprimenda cumprida é pena extinta. É claro que, no caso de fuga (como é a situação destes autos), o lapso temporal em que o paciente esteve foragido não será computado como tempo de castigo cumprido. Óbvio! Todavia, a fuga não "zera" ou faz desaparecer a pena até então sofrida. (STF, HC 94.163/RS, Primeira Turma, rel. Min. Carlos Ayres Britto, j. 02.12.2008, DJe n. 200, 23.10.2009).
Dessa maneira, a Lei 13.964/2019 traz uma Novatio Legis in pejus, ou seja, positiva uma norma penal mais gravosa, que acaba por dificultar a concessão do benefício, uma vez que aumenta os requisitos para o seu deferimento, quando comparando com a norma anterior. Assim, em matéria de Livramento, as mudanças são irretroativas, porque “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (art. 5º, XL, CF/88).
Quanto aos requisitos subjetivos, os que se relacionam com o lado pessoal do executado, a Lei 13.964/2019 alterou o inciso III do art. 83. Antes da mencionada norma entrar em vigor, a redação era a seguinte:
Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que:
III - comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Assim, podemos citar como requisitos subjetivos do Livramento Condicional antes da reforma perpetrada pelo Pacote Anticrime os seguintes a) comportamento satisfatório durante a execução da pena; b) bom desempenho no trabalho prisional atribuído; e c) capacidade de subsistência em atividade lícita no mercado de trabalho. Entretanto, com o advento da Lei 13.964/2019 (Pacote anticrime), o art. 83, III do CP passou a contar com a seguinte redação:
Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que:
III - comprovado: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
a) bom comportamento durante a execução da pena; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
A interpretação sobre o “bom comportamento carcerário”, segundo Busato (2015) deveria levar em conta os dissabores da vida na prisão, exigindo tão somente um comportamento satisfatório, mas não exemplar, sob pena de ser inalcançável atingir esse requisito. Desta maneira, eventuais faltas disciplinares não podiam, por si só, excluir o benefício (BUSATO, 2015). Masson (2019) afirma que esse requisito deve ser comprovado pelo diretor do estabelecimento prisional.
Quanto ao requisito subjetivo do bom desempenho no trabalho carcerário, é condicionado à avaliação das entidades carcerárias, o que para Busato (2015) denota fonte de arbítrio, já que essa valoração poderia prejudicar o condenado quanto à sua progressão de regime. Em sentido oposto, Nucci (2020) não considera abusiva a avaliação das entidades carcerárias, pois somente os profissionais que lidam com o condenado no dia a dia podem atestar tal requisito. Já para Masson (2019), esse requisito deve ser desprezado quando, em face de problemas do estabelecimento prisional, nenhum trabalho foi atribuído ao condenado.
É importante mencionar que “demonstrar aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto” é um requisito que consta do parecer da Comissão Técnica de Classificação ou no exame criminológico, demonstrando, por meio da análise da personalidade do condenado, se ele está apto ou não a desempenhar, fora do presídio, uma atividade honesta (NUCCI, 2020). No que diz respeito à capacidade laborativa, pontua Bitencourt (2011) que a lei não impõe que o apenado tenha emprego fixo, assegurado, mas que ele deva ter aptidão, disposição, habilidade para viver às custas do seu sustento honesto no momento da liberação.
Como indica o próprio nome do instituto, o Livramento é condicional, sujeitando-se a liberdade antecipada ao cumprimento de condições a serem observadas pelo condenado durante o período de prova (vigência do Livramento). As condições, além das já estudadas (que são taxativas porque decorrem da lei), também podem ser judiciais. As condições judiciais são discricionárias e serão estabelecidas pelo magistrado na decisão que concede o Livramento (MASSON, 2019).
O Juiz da execução penal tem a faculdade de estabelecer outras condições, desde que adequadas ao caso e em conformidade com os direitos do condenado. O rol exemplificativo com as condições judiciais está previsto no art. 132, §2º da Lei de Execução Penal. Podemos citar como exemplos de condições judiciais: não mudar de residência sem comunicação ao Juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar e de proteção; recolher-se à habitação em hora fixada e não frequentar determinados lugares (MASSON, 2019).
3. EXTINÇÃO DA PENA PELO LIVRAMENTO CONDICIONAL
Vencido o período de prova (período do cumprimento do Livramento) sem causas de prorrogação ou revogação, o juiz declarará extinta a pena privativa de liberdade, conforme dispõe os artigos 89 e 90 do Código Penal (BUSATO, 2015).
A natureza dessa sentença é declaratória (declara um direito que já existe), então seu efeito retroagirá à data do término do período de prova (que se encerrou o cumprimento do Livramento) e não à data em que a decisão foi proferida (BUSATO, 2015). Masson (2019) afirma que a eficácia da sentença é retroativa (ex tunc), e antes da decretação da extinção da pena privativa de liberdade, o magistrado deve ouvir o Ministério Público. É exatamente o que estabelece Nucci (2020, p. 744) em sua obra:
Quando o condenado estiver respondendo a processo por crime cometido durante a vigência do benefício, prorroga-se automaticamente o período a fim de se constatar se não era o caso de revogação obrigatória (art. 86, I, CP). Por isso, conforme o caso concreto, é conveniente que o juiz suspenda o benefício. Se for condenado definitivamente, o livramento será revogado com as consequências fixadas no art. 88 do Código Penal. Entretanto, se até o seu término, não for revogado ou suspenso pelo juiz, extingue-se a pena privativa de liberdade (art. 90, CP). A decisão tem natureza declaratória, pois a própria lei estabelece que, findo o livramento, sem revogação, “considera-se extinta a pena”.
Por fim, a Súmula 617 do STJ, dispõe que “A ausência de suspensão ou revogação do livramento condicional antes do término do período de prova enseja a extinção da punibilidade pelo integral cumprimento da pena”. Ou seja, cumprido p período de prova, de forma tranquila, extingue-se a pena do condenado.
CONCLUSÃO
O instituto do Livramento Condicional, direito subjetivo do apenado, positivado no art. 83 do Código Penal sofreu alterações com o advento da Lei 13.964/19 (Pacote anticrime), principalmente, nos requisitos previstos no inciso III para a concessão.
Antes da Lei 13.964/19 entrar em vigor, pelo disposto no inciso III, o juiz poderia conceder livramento condicional ao condenado sendo a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que “comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto”.
Com efeito, a modificação alterou a redação dada ao inciso III do artigo 83, que passou a exigir que o apenado comprove: a) bom comportamento durante a execução da pena; b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses; c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto.
Desta maneira, conclui-se que os requisitos para a concessão do livramento condicional foram ampliados. Nota-se que a maioria das situações previstas, na verdade, já tinham previsão legal anteriormente à reforma efetivada pela Lei 13.964/19 (Pacote anticrime), sendo que a mudança mais visível e impactante é a condicionante prevista no artigo 83, III, alínea b. A referida Lei é uma novatio legis in pejus, portanto, irretroativa aos fatos cometidos antes da sua entrada em vigor.
A lei nova aumenta os requisitos para a concessão do Livramento ao exigir que o apenado que deseje receber o benefício processual em comento não cometa falta grave nos 12 meses anteriores à implementação do requisito temporal para o pleito. Essa mudança legislativa gera confusão na interpretação da Súmula 441 do STJ, que dispõe que “o cometimento de falta grave, por falta de previsão legal, não interrompe o prazo para aquisição do benefício do livramento condicional”. Assim, mesmo que o condenado não possa obter o Livramento se houver cometido falta grave nos doze meses anteriores, o prazo do benefício não se inicia novamente caso haja prática da infração. Ocorrendo a falta grave, nos doze meses subsequentes, o preso não pode ser beneficiado com a liberdade antecipada, mesmo que cumpra seu requisito temporal.
Por fim, passado o período do cumprimento do Livramento (período de prova), sem causas de prorrogação ou revogação, o juiz declarará extinta a pena privativa de liberdade, conforme dispõe os artigos 89 e 90 do Código Penal, sendo a natureza dessa sentença declaratória, retroagindo seu efeito à data do término do período de prova) e não à data em que a decisão foi proferida.
REFERÊNCIAS
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Artigo publicado em 07/10/2021 e republicado em 24/05/2024
MBA Executivo em Gestão Estratégica de Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual; Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes; Especialista em Direito Penal pela Damásio Educacional e Ibmec; Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Prominas; Especialista em Ciência Política pela UNIBF. Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Professora de Direito Constitucional da Autarquia Educacional do Vale do São Francisco – AEVSF (FACAPE - Faculdade de Petrolina), Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Jéssica Cavalcanti Barros. As mudanças efetivadas pela Lei 13.964/2019 (pacote anticrime) no instituto do livramento condicional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 maio 2024, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /57259/as-mudanas-efetivadas-pela-lei-13-964-2019-pacote-anticrime-no-instituto-do-livramento-condicional. Acesso em: 28 dez 2024.
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